Mais um dos jantares promovidos pela
Ana e que desta vez partem da casa da
Suzana. Este mês o desafio é convidar um chef ou cozinheiro para a nossa mesa. Assim que vi a proposta pensei: "este é difícil, não sei se vou conseguir participar", mas como um desafio não é suposto ser fácil, comecei a pensar. Fui vendo alguns programas de culinária, os livros que estão na minha estante e não me decidia, até que me resolvi questionar: "o que é para mim cozinhar?" "o que é que mais gosto na cozinha?". Da resposta a estas perguntas fez-se luz sobre o convidado.
Eu gosto de cozinhar, de comer e de comida. Gosto da comida pelo seu papel mais primordial: alimentar, sobreviver e, acima de tudo, pelo que culturalmente lhe fomos acrescentando: prazer de saborear, de descobrir, pelo seu lado social e familiar, de partilha e celebração. Uma sociedade define-se, entre outras coisas, pelo que põe no prato, pelo que come: de um lado a fastfood, comida industrializada, desenraizada, desprovida de laços de afecto e do outro lado a comida tradicional, de sabores aprendidos através de gerações, feita a pensar em quem come, cheia de afectos e histórias, recorrendo, tantas vezes, aos ingredientes mais básicos. Pensar em comida leva-me a memórias de casas com quintais, sopa de couve galega colhida na hora, as cebolas, os alhos, o feijão, tudo encarreirado à espera da sua vez, a ida ao galinheiro para apanha dos ovos acabados de pôr. Estas reminiscências despertam-me sabores que hoje não encontro na maioria dos produtos que compro nos supermercados, daí não resistir aos que são vendidos por produtores locais, semeados, plantados no tempo em que a natureza manda, crescendo sem pressas, colhidos no tempo certo e vendidos tal como são, sem preocupações de calibragem que nos enchem as bancas de supermercados de maçãs e pêras brilhantes de tamanhos idênticos e formas perfeitas, mas desprovidos de sabor. Pensar em comida levou-me aos livros de Joanne Harris onde a vida e cozinha andam intimamente ligadas. Palavras e sabores. Livros e receitas. Estórias e cozinhados. Ora, como gosto de ler e gosto de cozinhar resolvi convidar
Joanne Harris que trouxe uma amiga,
Fran Warde, "uma escritora que adora comida e uma ex-chef que adora escrever sobre comida"*. Uma dupla encantadora, apaixonadas por palavras e comida, tal como eu. Para as recebermos optei por um jantar simples e acolhedor, com sabores que fazem parte das nossas preferências e referências familiares. Uma galinha caseira fez as honras na mesa, bem temperada com ervas aromáticas que crescem na nossas pequena estufa e laranjas biológicas. Para acompanhar as tradicionais batatinhas, um arroz com frutos secos, a dar um toque exótico e legumes assados.
Falamos de tradições gastronómicas, da aprendizagem de vida que é a cozinha, da importância de usar produtos sazonais, de preveligiar os produtos locais e biológicos, dos mercados que gostamos de visitar. Trocamos histórias e receitas. Despedimo-nos no fim de um serão bem passado em amena cavaqueira. É tão bom o convivio à volta da mesa.
Galinha assada com batatinha, legumes assados e arroz de frutos secos
Ingredientes:
A galinha:
1 galinha do campo
2 laranjas biológicas
1 colher de chá de flocos de malagueta
2 pés de tomilho limão
1 ramo de alecrim
3 dentes de alho
1 colher de chá de sal
200 ml de vinho branco
1 cebola
Azeite q.b.
Os acompanhamentos:
Batatas:
Batata para assar q.b.
Sal q.b.
Azeite q.b.
Legumes:
1 curgete pequena
1 cenoura
1 alho francês (parte branca)
1 fatia pequena de abóbora
Tomilho, alecrim e cebolinho frescos q.b.
Sal picante q.b.
Azeite q.b.
Arroz
1 chávena de arroz
2 chávenas de água quente
1 mão cheia de passas, amêndoas e caju
1/2 cebola pequena
1 colher de café de açafrão
Sal q.b.
Azeite q.b.
Preparação:
De véspera tempere a galinha numa marinada feita assim: num almofariz misture os flocos de malagueta com os alhos picados, as folhinhas de tomilho e alecrim, o sal e o azeite.
Barre a galinha com este preparado, coloque-a num recipiente e regue com o vinho e o sumo das laranjas.
Deixe descansar de um dia para o outro.
No dia seguinte corte uma cebola às rodelas e espalhe no fundo de um tabuleiro de forno.
Descasque as batatinhas e dê uma cozedura em água e sal, só até conseguir espetar a ponta de uma faca na batata. Coe a água.
Pouse a galinha sobre a cebola, espalhe as batatas em volta. Salpique com algum sal, regue com um fio de azeite e a marinada (retire as laranjas) e leve a assar em forno pré-aquecido a 220º, reduzindo a temperatura para 190º ao fim de 20 minutos. Além destes 20 minutos iniciais, calcule 20 minutos para cada 500 gr. de ave. Vá vigiando e regando a galinha e batatas com o molho do assado.
Entretanto descasque a cenoura e a abóbora, lave o alho francês e a curgete.
Corte a cenoura e o alho francês em rodelas grossas, a abóbora em cubos e a curgete em meias luas. Espalhe os legumes sobre um tabuleiro mais pequeno, polvilhe com sal e as ervas, regue com azeite, acrescente um pouco de água, cerca de 1 chávena de café, e tape com papel de alumínio. Leve ao forno até estarem macios.
A meio levante o papel de alumínio, com cuidado para não se queimar com o vapor, e mexa os legumes.
Prepare o arroz:
Pode desde logo utilizar um tacho de barro, ou se o seu fogão o não permitir um tacho normal para a fase inicial e depois um de barro para ir ao forno.
Pique a cebola e refogue num fio de azeite.
Começando a cebola a ficar transparente acrescente as passas e os frutos secos grosseiramente picados (ou não).
Deixe refogar mais um pouco, não deixando que os frutos queimem.
Acrescente o arroz e envolva. Deixe fritar por alguns minutos, em lume médio.
Acrescente a água, tempere de sal e junte o açafrão.
Deixe levantar fervura e transfira para o tacho de barro, se for o caso.
tape e leve ao forno por 15 a 20 minutos.
Notas:
*
Cit. apresentação do livro "
A Cozinha Francesa", cuja introdução recomendo vivamente que leiam.
Joanne Harris, escritora, nascida em 1964, em Yorkshire, é autora de vários romances, entre eles "
Cinco Quartos de Laranja" e "
Chocolate"
Fran Warde, chef de formação, tem vários livros editados, dois com a colaboração de Joanne Harris, "A Cozinha Francesa" e "
Do Mercado Para a Sua Mesa".