"....
Não. Não são textos da gaveta porque isso significaria a existência de uma gaveta que, normalmente, faz parte de uma secretária, e eu não tenho secretária. Nem tenho nem quero ter, pois escrevo em cima de uma grossa tábua herdada de um velho padeiro hamburguês.
Certa tarde de skat, um jogo de cartas muito do norte da Alemanha, o velho padeiro anunciou aos seus colegas de partida que a artrite o obrigava a lançar a toalha e a fechar a padaria.
- E o que vais fazer agora, meu velho manhoso? -perguntou-lhe um dos amáveis jogadores.
- Considerando que nenhum dos meus filhos quer continuar na profissão e que as minhas máquinas foram declaradas obsoletas, vou mandar tudo para o inferno e oferecer o que ainda transpirar carinho - respondeu o velho Jan Keller, e seguidamente convidou-nos para uma grande borga na padaria.
Lá recebi a grossa tábua sobre a qual amassou pão durante cinquenta anos, e sobre ela amasso as minhas histórias. Amo esta tábua que cheira a fermento, a sésamo, a gengibre, ao mais nobre dos ofícios. Com que então uma secretária... para que raio ia eu querer uma secretária?"
Luís Sepúlveda, in "
Patagónia Express"
Chegou de sorriso aberto. O calor tão ansiado tinha vindo sem aviso e pediu um copo de água fresca. Acompanhei-o ao terraço, onde a mesa estava posta para umas petiscadas: o pão alentejano, acabado de cozer há um par de horas e já fatiado no cesto, pedia a companhia de rodelas de chouriço assado na brasa e de fatias de paio e de presunto. O requeijão fresco e as azeitonas também compunham a mesa. Mais para o fim da tarde sairiam da brasa umas fêveras temperadas em vinha de alho. Um branco fresco do Douro convidava a longas conversas.
Luís Sepúlveda recordou os momentos de tensão do golpe militar levado a cabo por Augusto Pinochet e os anos de prisão. Falamos da emoção que sentiu no regresso ao Chile e contou divertidas peripécias dos países onde depois viveu, desde a América Latina à Europa. Recordou, comovido, a época vivida no Equador entre os índios Shuar, ao serviço da Unesco, e o seu muito querido amigo
Chico Mendes, grande defensor da floresta amazónica e assassinado em 1988 por opositores dos seus ideais.
Apaixonado pela natureza e acérrimo defensor de causas ambientais, navegou com a Greenpeace. O seu rosto entristece-se quando comentamos o tão mal que tratamos o ambiente, como desperdiçamos os recursos que a Mãe Natureza pôs à nossa disposição. Como insensatamente os esgotamos.
Conversamos acerca do mundo. Dos dias difíceis que se vivem por todo o lado, da necessidade de repensar o nosso modo de vida, de tentarmos regressar à simplicidade. Para nosso bem e das gerações vindouras. Para bem da humanidade. Será isso possível? Luís encolhe os ombros. Temos que tentar, diz, não baixar os braços. Se cada um de nós tiver um pequeno gesto por dia nesse sentido, no fim do dia teremos sido muitos.
É com muito gosto que vos lanço o desafio de convidarem para jantar um escritor contemporâneo. Aquele que mais gostam de ler. O autor do livro que mais vos impressionou ou daquela frase que é a vossa citação para a vida. Um autor da actualidade. Romancista, poeta, dramaturgo. Soltem as letras, remexam o caldeirão, façam brotar as palavras e sirvam-nas em livros.
Ficam, então, aqui algumas indicações para quem quiser participar nesta edição:
- O tema é: "
Escritores Contemporâneos"
- As participações devem ser
publicadas até dia 16 de Junho no vosso blogue, deixando na caixa de comentários deste post o respectivo link.
- A publicação deve incluir um
link para a página do desafio no blogue "Anasbageri - A Padaria da Ana" e para esta edição.
Pão Alentejano para horas de conversa
Ingredientes:
Massa Velha:
70 gr. de farinha de trigo
30 gr. de água
50 gr. de isco de trigo (veja
aqui)
25 gr. de sal
Massa Final:
370 gr. de farinha de trigo rijo ( em alternativa farinha de trigo normal, que foi a que usei)
270 gr. de farinha de trigo
390 gr. de água
13 gr. de sal
150 gr. de massa velha
Preparação:
Massa Velha:
Junte todos os ingredientes e amasse até formar uma bola. Coloque num recipiente com tampa e guarde no frigorífico durante 48h. No fim desse tempo a massa dobrou de volume e tem um cheiro avinagrado.*
Massa Final:
Misture as farinhas e a água até obter uma espécie de massa. Deixe repousar 20 a 30 minutos, junte a massa velha e o sal e amasse durante 15 a 20 minutos até conseguir uma massa lisa e brilhante. Pode usar a máquina para amassar. Neste caso amasse durante 5 a 7 minutos.**
Transfira a massa para uma taça oleada e deixei levedar por 4 horas á temperatura ambiente (deixe levedar 5 horas), esticando a massa ao fim das primeiras duas horas, conforme (mais ou menos, vá lá) a Ana mostra
aqui.
Retire o pão para a bancada enfarinhada e retire 200 gr. de massa para usar no próximo pão***. À massa que vai cozer agora dê a forma de uma bola e coloque num tabuleiro enfarinhado. ****
Deixe levedar novamente, durante cerca de 45 minutos ou até dobrar de volume e asse em forno pré-aquecido a 250º durante os primeiros 5 minutos, reduzindo, então, a temperatura do forno para 200º. Um pão de 1kg leva cerca de 1 hora a assar um pão de 500 gr. entre 30 e 45 minutos.
Outras Considerações:
* Preparei a massa velha na quinta-feira à noite pensando começar a preparar o pão no sábado à noite, mas acabei por o fazer apenas no domingo pelas 11h00.
**Tentei amassar com a batedeira e os ganchos, mas talvez a massa fosse demasiado pesada para a minha batedeira ou o facto de a taça ter rotação dificultou o processo: a massa envolvia um dos ganchos e acabava por subir sem voltar a descer, até que o gancho se soltava. Acabei por transferir para a bimby onde amassou 5 minutos em velocidade espiga.
*** Pode guardar a massa velha até 3 dias no frigorífico ou durante mais tempo no congelador. Optei por guardar a minha no congelador, mas quando a utilizei de novo quase não houve levedação. O pão ficou pesado, denso, no entanto, sempre saboroso.
****Usei um prato de barro que não enfarinhei. O pão colou e acabei por perder um pouco da côdea ao tentar retirá-lo do prato.