10 de fevereiro de 2012

Creme de legumes com ervilhas e uma convidada especial para jantar



"No pátio, Clarissa senta-se nas bordas do tanque e começa a riscar com o dedo a superfície da água azulada. Escreve nomes. Clarissa, titia, Tonico, Dudu. Mas o brinquedo logo a enfastia. Com um tapa corta a água, que se encrespa em ondas minúsculas. Clarissa põe-se a rir: tem a impressão de que o céu dança, as nuvens dançam, a luz dança na água agitada...
De súbito começa a gritar e a correr, pondo em pânico as galinhas. Cacarejando, a bicharia foge, num bater de asas.
Cansada, Clarissa pára ofegante, deita-se no chão, de costas, à sombra de um pessegueiro. Como está morna a terra, e como é áspera e dura... Espreguiça-se. Tem as faces avermelhadas. sorri ainda. Os seus seios se agitam. Fica olhando, muito atenta para as formigas que vão e vêm em duas filas, longas, cada qual a carregar o seu fardo.
Será que as formigas têm língua como a gente? Oh! Claro que têm. Clarissa observa... De quando em quando duas formiguinhas - uma que vem, outra que vai - param, aproximam-se e ficam quietas por um instante uma na frente da outra. Que será que estão fazendo? Naturalmente conversando. E que dirão?
"Boa tarde, comadre."
"Boa tarde. Tem trabalhado muito?"
"Tenho. Veja só o que vou carregando nas costas."
"Oh! A senhora é muito forte..."
"Como vai a família?"
Quanta coisa se podem dizer as formigas...
(...)
Clarissa ergue os olhos.
Como está bonito o pessegueiro todo pintalgado de flores cor-de-rosa contra o céu azul! Através dos ramos, ela olha as nuvens que bóiam no ar, como frocos de algodão. Ou como velas de grandes navios?
Clarissa ergue-se com uma repentina vontade de correr mais, muito mais... Como é boa a vida, meu Deus! E este sol, este sol, este sol!"
                               in "Clarissa", Obras de Erico Verissimo, Colecção Literatura Universal, Ambar


Deparei-me com Clarissa ao virar da esquina, no corre corre de um dia movimentado da baixa do Porto. Ía a pensar para com os meus botões que já sentia saudades daquela correria de gente pelas ruas da cidade, tal qual formiguinhas e, nesse preciso momento, ao dobrar a R. de Stª Catarina para a Rua Formosa, dei de caras com ela. Por momentos ficamos estranhas, a reconhecer um olhar antigo mas sem saber de onde. Depois novamente a ideia das formiguinhas e... fez-se luz:
- "Clarissa! Há quanto tempo!"
O resto de Clarissa iluminou-se:
- Oh! Quase não te reconhecia... Estás diferente, mas ... igual. - Exclamou naquele sotaque cantante.
Rimos com alegria.
- Que bom encontrar-te! - continuou ela, e eu:
- Digo o mesmo. Acreditas que vinha aqui a pensar que as pessoas parecem formigas e de repente..."
Clarissa desatou numa gargalhada sonora. Gargalhada da menina que apreciava a natureza, o sol, os animais, que vibrava com uma flor, com um peixinho no aquário e com as formiguinhas atarefadas. Não me contive e ri também. Convidei-a para jantar para pormos a conversa em dia. O dia estava solarengo, mas frio. Achei que vinda do calor do Brasil para o frio deste inverno português uma sopa bem quente seria um manjar reconfortante. Quantas "formiguices" teríamos para contar ... !

O texto da "conversa das formigas" fazia parte de um dos meus livros de leitura da escola primária. Não sei exactamente o que nele me cativou, mas até aos dias de hoje ele vem-me à memória sempre que vejo um carreiro de formigas. Clarissa, foi assim, a minha primeira convidada deste projecto da Ana: "Convidei para jantar", em que todos os meses nos desafia a preparar um jantar para um convidado especial e que este mês deverá ser uma personagem de livros ou filmes.

 Ingredientes:
1 alho francês
100 gr de abóbora
1 cenoura pequena
2 dentes de alho
200 gr. de ervilhas
1 rodela de chouriço
1 caldo de legumes caseiro
Ervilhas tortas q.b.
Sal q.b.
Azeite q.b.



Preparação:
Tradicional:
Corte a parte branca do alho francês e a cenoura em rodelas e a abóbora em cubos.
Coloque os legumes numa panela, juntamente com as ervilhas, os dentes de alho esmagados, o chouriço e o caldo de legumes.
Cubra com água e leve a cozer em lume médio/forte.
Entretanto prepare as ervilhas tortas e coza ao vapor.
Estando os legumes da sopa cozidos triture-os com a varinha mágica (o chouriço também) até obter um creme macio sem vestígios da casca das ervilhas. Se necessário passe por um passador (eu gosto de utilizar o passador chinês).
Rectifique o sal e verifique a consistência do creme. Se necessário acrescente água quente a gosto e regue com um fio de azeite.
Se acrescentar água fria deverá deixar ferver novamente.
Sirva com as ervilhas tortas e bocadinhos de pão tostado com manteiga.
Bimby:
Corte a parte branca do alho francês e a cenoura em rodelas e a abóbora em cubos.
Coloque os legumes, juntamente com as ervilhas, os dentes de alho esmagados, o chouriço e o caldo de legumes no copo da bimby.
Acrescente um litro de água.
Coloque na varoma as ervilhas trotas.
Programe: varoma/25 minutos/colher inversa.
No fim, retire a varoma, coloque o copinho e triture 3-5-7-9 até obter um creme macio, sem vestígios da casca das ervilhas.
Rectifique o sal e verifique a consistência do creme. Se necessário acrescente água quente e misture na velocidade 5 durante alguns segundos.
Se acrescentar água fria programe: 100º/7 minutos/vel.1.
Regue com um fio de azeite e sirva com as ervilhas tortas e bocadinhos de pão tostado com manteiga.

20 comentários:

Ondina Maria disse...

Que linda cor verde, nem parece que o creme leva abóbora....

Receitas para a Felicidade disse...

Um texto e uma sopa deliciosas Carla,

beijinhos e bom fim de semana!!

Susana disse...

Carla, gostei imenso do teu texto conseguiste com ele envolver o leitor dando a impressão que fizeste parte daquela história juntamente com Clarissa :)
E não podias ter escolhido melhor ementa. Com ele aqueceste do frio e o coração.

Beijinhos e bom fim de semana

Gisela disse...

Que sopa deliciosa esta. Adoro ervilhas
Um beijinho e bom fim de semana

Mané o bolo da Tia Rosa disse...

Gostei bastante da sugestão.
:)

Susana disse...

Bela sopa e belo texto.

Bjocas

Anónimo disse...

Carla,
Fiquei tão feliz com a tua participação!
Isto até pode parecer piegas, mas comovo-me com cada nova entrada neste passatempo, vejo o cuidado com que tu e as outras meninas escolheram a personagem e o que lhe servir, a doçura dos textos, as fotografias lindas.
Nunca pensei que fosse uma ideia tão bem recebida.
agradeço-te do fundo do coração teres escrito este texto e partilhado connosco também um pouco das tuas memórias.
Se um mês destes gostares de servir como "host" para o passatempo, é só enviares-me um e-mail ok?
bjs e bom fim-de-semana

Pami Sami disse...

Oh Carla que texto maravilhoso, tão repleto de memórias... Por vezes também me perco em leituras de livros antigos da escola dos meus pais, e é tão comovente ler estas visões dos tempos mais antigos! Era tudo mais genuíno, mais natural...
Quanto a tua sopa está demais! Que cor vibrante!
beijinho* boa semana*

Tanita disse...

Adoro ervilhas por isso vou experimentar.

De cozinha em cozinha disse...

Ondina,
Leva abóbora branca e em piuca quantidade, mas o verde das ervilhas sobrepõe-se sempre.
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Mariana,
Obrigada pela visita. Volta sempre.
beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Susana,
Gostei tanto do teu comentário. Obrigada por passares por aqui.
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Gisela,
Creme de ervilhas é um dos meus preferidos, mas raramente o faço porque é mesmo só para mim.
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Obrigada, Mané.
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Obrigada pela visita,
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Tanita,
É uma sopa bem reconfortante.
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Pammy Sami,
Era tudo bem mais simples e essa simplicidade faz-nos falta muitas vezes.
Beijinhos

De cozinha em cozinha disse...

Ana,
Não podia não participar: é que além de adorar o teu blogue a ideia é fabulosa, um verdadeiro desafio. Acho que vou gostar de receber o desafio na minha cozinha, um dia destes digo-te algma coisa, ok?
Beijinhos

Alice disse...

Carla, que personagem encantadora escolheste e que texto tão delicioso!! Não conhecia esse livro mas até fiquei com vontade de o procurar!
A sopa de ervilhas tem uma cor fabulosa, adorei esse verdão! De certeza que a Clarissa também a adoraria:)
E adorei também o teu blogue, ainda bem que o conheci:)
Beijinhos

Inês Ginja disse...

A sopa está perfeita, com uma cor cativante. Aposto que foi aprovadíssima pela Clarissa :)
Adorei o facto de teres uma gata que se chama Amélie, fica mesmo bem!
Um beijinho.

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