"No pátio, Clarissa senta-se nas bordas do tanque e começa a riscar com o dedo a superfície da água azulada. Escreve nomes. Clarissa, titia, Tonico, Dudu. Mas o brinquedo logo a enfastia. Com um tapa corta a água, que se encrespa em ondas minúsculas. Clarissa põe-se a rir: tem a impressão de que o céu dança, as nuvens dançam, a luz dança na água agitada...
De súbito começa a gritar e a correr, pondo em pânico as galinhas. Cacarejando, a bicharia foge, num bater de asas.
Cansada, Clarissa pára ofegante, deita-se no chão, de costas, à sombra de um pessegueiro. Como está morna a terra, e como é áspera e dura... Espreguiça-se. Tem as faces avermelhadas. sorri ainda. Os seus seios se agitam. Fica olhando, muito atenta para as formigas que vão e vêm em duas filas, longas, cada qual a carregar o seu fardo.
Será que as formigas têm língua como a gente? Oh! Claro que têm. Clarissa observa... De quando em quando duas formiguinhas - uma que vem, outra que vai - param, aproximam-se e ficam quietas por um instante uma na frente da outra. Que será que estão fazendo? Naturalmente conversando. E que dirão?
"Boa tarde, comadre."
"Boa tarde. Tem trabalhado muito?"
"Tenho. Veja só o que vou carregando nas costas."
"Oh! A senhora é muito forte..."
"Como vai a família?"
Quanta coisa se podem dizer as formigas...
(...)
Clarissa ergue os olhos.
Como está bonito o pessegueiro todo pintalgado de flores cor-de-rosa contra o céu azul! Através dos ramos, ela olha as nuvens que bóiam no ar, como frocos de algodão. Ou como velas de grandes navios?
Clarissa ergue-se com uma repentina vontade de correr mais, muito mais... Como é boa a vida, meu Deus! E este sol, este sol, este sol!"
in "Clarissa", Obras de Erico Verissimo, Colecção Literatura Universal, Ambar
Deparei-me com Clarissa ao virar da esquina, no corre corre de um dia movimentado da baixa do Porto. Ía a pensar para com os meus botões que já sentia saudades daquela correria de gente pelas ruas da cidade, tal qual formiguinhas e, nesse preciso momento, ao dobrar a R. de Stª Catarina para a Rua Formosa, dei de caras com ela. Por momentos ficamos estranhas, a reconhecer um olhar antigo mas sem saber de onde. Depois novamente a ideia das formiguinhas e... fez-se luz:
- "Clarissa! Há quanto tempo!"
O resto de Clarissa iluminou-se:
- Oh! Quase não te reconhecia... Estás diferente, mas ... igual. - Exclamou naquele sotaque cantante.
Rimos com alegria.
- Que bom encontrar-te! - continuou ela, e eu:
- Digo o mesmo. Acreditas que vinha aqui a pensar que as pessoas parecem formigas e de repente..."
Clarissa desatou numa gargalhada sonora. Gargalhada da menina que apreciava a natureza, o sol, os animais, que vibrava com uma flor, com um peixinho no aquário e com as formiguinhas atarefadas. Não me contive e ri também. Convidei-a para jantar para pormos a conversa em dia. O dia estava solarengo, mas frio. Achei que vinda do calor do Brasil para o frio deste inverno português uma sopa bem quente seria um manjar reconfortante. Quantas "formiguices" teríamos para contar ... !
O texto da "conversa das formigas" fazia parte de um dos meus livros de leitura da escola primária. Não sei exactamente o que nele me cativou, mas até aos dias de hoje ele vem-me à memória sempre que vejo um carreiro de formigas. Clarissa, foi assim, a minha primeira convidada deste projecto da Ana: "Convidei para jantar", em que todos os meses nos desafia a preparar um jantar para um convidado especial e que este mês deverá ser uma personagem de livros ou filmes.
Ingredientes:
1 alho francês
100 gr de abóbora
1 cenoura pequena
2 dentes de alho
200 gr. de ervilhas
1 rodela de chouriço
1 caldo de legumes caseiro
Ervilhas tortas q.b.
Sal q.b.
Azeite q.b.Preparação:
Tradicional:
Corte a parte branca do alho francês e a cenoura em rodelas e a abóbora em cubos.
Coloque os legumes numa panela, juntamente com as ervilhas, os dentes de alho esmagados, o chouriço e o caldo de legumes.
Cubra com água e leve a cozer em lume médio/forte.
Entretanto prepare as ervilhas tortas e coza ao vapor.
Estando os legumes da sopa cozidos triture-os com a varinha mágica (o chouriço também) até obter um creme macio sem vestígios da casca das ervilhas. Se necessário passe por um passador (eu gosto de utilizar o passador chinês).
Rectifique o sal e verifique a consistência do creme. Se necessário acrescente água quente a gosto e regue com um fio de azeite.
Se acrescentar água fria deverá deixar ferver novamente.
Sirva com as ervilhas tortas e bocadinhos de pão tostado com manteiga.
Bimby:
Corte a parte branca do alho francês e a cenoura em rodelas e a abóbora em cubos.
Coloque os legumes, juntamente com as ervilhas, os dentes de alho esmagados, o chouriço e o caldo de legumes no copo da bimby.
Acrescente um litro de água.
Coloque na varoma as ervilhas trotas.
Programe: varoma/25 minutos/colher inversa.
No fim, retire a varoma, coloque o copinho e triture 3-5-7-9 até obter um creme macio, sem vestígios da casca das ervilhas.
Rectifique o sal e verifique a consistência do creme. Se necessário acrescente água quente e misture na velocidade 5 durante alguns segundos.
Se acrescentar água fria programe: 100º/7 minutos/vel.1.
Regue com um fio de azeite e sirva com as ervilhas tortas e bocadinhos de pão tostado com manteiga.
20 comentários:
Que linda cor verde, nem parece que o creme leva abóbora....
Um texto e uma sopa deliciosas Carla,
beijinhos e bom fim de semana!!
Carla, gostei imenso do teu texto conseguiste com ele envolver o leitor dando a impressão que fizeste parte daquela história juntamente com Clarissa :)
E não podias ter escolhido melhor ementa. Com ele aqueceste do frio e o coração.
Beijinhos e bom fim de semana
Que sopa deliciosa esta. Adoro ervilhas
Um beijinho e bom fim de semana
Gostei bastante da sugestão.
:)
Bela sopa e belo texto.
Bjocas
Carla,
Fiquei tão feliz com a tua participação!
Isto até pode parecer piegas, mas comovo-me com cada nova entrada neste passatempo, vejo o cuidado com que tu e as outras meninas escolheram a personagem e o que lhe servir, a doçura dos textos, as fotografias lindas.
Nunca pensei que fosse uma ideia tão bem recebida.
agradeço-te do fundo do coração teres escrito este texto e partilhado connosco também um pouco das tuas memórias.
Se um mês destes gostares de servir como "host" para o passatempo, é só enviares-me um e-mail ok?
bjs e bom fim-de-semana
Oh Carla que texto maravilhoso, tão repleto de memórias... Por vezes também me perco em leituras de livros antigos da escola dos meus pais, e é tão comovente ler estas visões dos tempos mais antigos! Era tudo mais genuíno, mais natural...
Quanto a tua sopa está demais! Que cor vibrante!
beijinho* boa semana*
Adoro ervilhas por isso vou experimentar.
Ondina,
Leva abóbora branca e em piuca quantidade, mas o verde das ervilhas sobrepõe-se sempre.
Beijinhos
Mariana,
Obrigada pela visita. Volta sempre.
beijinhos
Susana,
Gostei tanto do teu comentário. Obrigada por passares por aqui.
Beijinhos
Gisela,
Creme de ervilhas é um dos meus preferidos, mas raramente o faço porque é mesmo só para mim.
Beijinhos
Obrigada, Mané.
Beijinhos
Obrigada pela visita,
Beijinhos
Tanita,
É uma sopa bem reconfortante.
Beijinhos
Pammy Sami,
Era tudo bem mais simples e essa simplicidade faz-nos falta muitas vezes.
Beijinhos
Ana,
Não podia não participar: é que além de adorar o teu blogue a ideia é fabulosa, um verdadeiro desafio. Acho que vou gostar de receber o desafio na minha cozinha, um dia destes digo-te algma coisa, ok?
Beijinhos
Carla, que personagem encantadora escolheste e que texto tão delicioso!! Não conhecia esse livro mas até fiquei com vontade de o procurar!
A sopa de ervilhas tem uma cor fabulosa, adorei esse verdão! De certeza que a Clarissa também a adoraria:)
E adorei também o teu blogue, ainda bem que o conheci:)
Beijinhos
A sopa está perfeita, com uma cor cativante. Aposto que foi aprovadíssima pela Clarissa :)
Adorei o facto de teres uma gata que se chama Amélie, fica mesmo bem!
Um beijinho.
Enviar um comentário